Começo meu papo hoje com uma colocação do Bauman – tropecei nela no perfil do Filosofia Líquida lá no Insta (@filosofia.liquida) – que é, na verdade, sobre o relacionamento entre pessoas, mas cai como uma luva pra nossa relação com o consumo, ó:
“Na maioria das vezes se começa um relacionamento pela carência que a pessoa sente, e quando a carência passa, o relacionamento acaba. (…) Quando essa pessoa não se sentir mais carente, ela vai descartar você, porque, como eu disse antes, não era amor, era carência.”
Vira e mexe a gente tá triste, deprê com a situação (Brasil não dá descanso, né?), desiludido com parceire e pá desconta a carência numa compra. Às vezes até pára pra avaliar se aquela blusinha vai fazer a diferença no armário, mas, na maioria das vezes, o que rola é bater o olho na roupa ou no acessório, levar pro caixa e sentir o subidão da dopamina. Pode ser que surja uma relação de amor com essa peça? Pode sim, mas há uma grande chance de uma peça comprada pra suprir carência emocional ir parar no descarte mais cedo que aquela adquirida com propósito consciente.
Com a pandemia de Covid-19 e tudo o que ela trouxe – desemprego, medo, insegurança – a gente consumiu bem menos roupa e acessório – trancado em casa, a gente não enxergava motivo pra comprar o que geralmente usa pra sair dela – mas não deixou de consumir, apenas trocou de foco. Nossa grana foi parar em equipamento de ginástica, coisas pra casa e muito aparelho eletrônico. Ah! E não tirei nada disso da minha cabeça, viu? Quem quiser saber mais, dê uma olhada nesses relatórios sobre consumo aqui: relatório deloitte 2021 , relatório weforum 2020 , relatório mckinsey 2021
Veio vacinação, a gente voltou pra rua, pro escritório, pro bar. A tendência é que a gente volte a comprar mais roupas e acessórios – depois de muito tempo em casa, sair de novo trouxe essa vontade de a gente investir na aparência mais uma vez. Só que os problemas não acabaram, né? A gente segue ansioso por dias melhores e cai na compra por impulso de novo. E esse impulso de comprar pra se sentir melhor é inimigo número um do armário cultivado como acervo.
Não é novidade que já tive um armário abarrotado de “flertes por carência” e sei o quanto isso demanda energia a cada manhã quando a gente tem que decidir o que vestir. Você se dá conta de que tem quantidade, mas não a variedade que faria o sistema funcionar bem pra atender as tuas necessidades do vestir de todo dia. As compras sem critério resultam num guarda-roupa com um monte de coisa aleatória ou repetida e, com frequência, a gente se pergunta “por que comprei isso?”
Quando você cuida do armário como um acervo, a seleção de uma peça que vai entrar ali é criteriosa; tá numa lista desenvolvida ao longo de um tempo, você já avaliou a necessidade dela e pensou em que composições ela poderia ser usada. Daí, quando finalmente a gente dá de cara com a bichinha, é só partir pro abraço – torcendo pra ter teu número e o caimento ser ótimo, claro.
Se você tá nesse grupo, das arrependidas com o armário, faça um levantamento de tudo o que você tem. Seja bem minuciosa: liste as peças todas, sem exceção, pra ter a real ideia do quanto você tem. É importante também conferir se tudo que tá ali te serve e se tá em bom estado – roupa que não cabe ou que tá mal só ocupa espaço e não tem uso, deve seguir pra doação ou venda. Ao olhar cada peça, se pergunte porque ela tá ali, do que você gosta nessa roupa ou acessório. Muito pode ser aprendido sobre você mesma nesse exercício e vai te ajudar a entender mais do que gosta e refinar tuas futuras compras. Ao colocar tudo de volta no armário, organize as peças com critério. Uma sugestão é agrupar as roupas por tipo, cor e estampa, se tem manga curta ou comprida, por exemplo. Dessa maneira, fica mais fácil enxergar as opções disponíveis a cada dia.
Aliás, tem um artigo meu no blog, falando sobre inventário de armário aqui: https://howdeepisyourcloset.com/inventario-de-armario-101/ e playlist pra ouvir enquanto faz o inventário lá no Spotify, ó: playlist inventário rock e playlist inventário dançante
Para começar a comprar com critério é fundamental saber o que se tem, mas também ter uma noção daquilo que faz falta. Tenha uma folha de papel e um lápis no armário; cada vez que você for montar uma combinação e perceber que determinada peça ajudaria, anote. Conforme os dias forem passando, você terá uma lista de possíveis compras que farão a diferença. Aqueles itens que mais fizeram falta deverão ser as prioridades. Com essa listinha na bolsa, você saberá por onde começar a comprar e a chance de se arrepender será menor.
Por fim, não tem receita de bolo infalível; a gente precisa se empenhar em se conhecer e mudar de hábito. Para se ter uma relação duradoura e saudável com as próprias peças é necessário querer fazer diferente e estar consciente das próprias emoções e necessidades. E isso por si só já rende outra newsletter! Até a próxima!