roupa e pertencimento

Quando fui viver fora do Brasil e precisei comprar roupa, vi logo de cara que a minha silhueta não dava match com vestidos das marcas europeias mais populares. era sempre a mesma história: o que cabia no peito e na cintura, ficava apertado no quadril; se servia no quadril, sobrava no peito e talvez desse na cintura…

Pra quem não sabe, a modelagem das peças varia de região pra região no planeta, assim como os itens que compõem as coleções, de modo a atender a média, o gosto e a necessidade da maioria. É puro negócio mesmo, pra evitar perdas, peças encalhadas e maximizar lucro. E você, expatriada, que lute pra se encontrar nesse mundo novo que você escolheu pra chamar de lar.

Daí você vai retrucar: “mas Bianca, se isso acontece em qualquer lugar, não entendo pq vira drama fora do Brasil”. E eu respondo: quando você tá fora do teu país, tentando pertencer, não encaixar nas roupas é mais um lembrete de que aquele ali não é o teu lugar. E essa é sim uma dor de quem é expatriado, uma espécie de ‘defeito’ que não deixa de existir, não importa quanto tempo você viva naquele lugar.

A solução pra roupa que não tá com caimento 100% é paciência e um contato de boa costureira. Roupa que não é sob medida quase sempre precisa de alteração, porque foi feita (em teoria) pra atender a média, a maioria. Já encontrar marcas que você consiga chamar de favoritas, onde encontra aquilo que cai bem e no estilo que curte, isso aí só com o tempo mesmo, provando peças e avaliando.

Já pra sensação de não-pertencer, acho que a gente não deveria insistir em ser alguém que não é. Acho que o melhor é abraçar que não somos dali mesmo, que somos ‘diferentes’, que nossa história é outra. Esse esforço pra tentar pertencer demanda muita energia e não vai apagar tua origem. Mas sei também que falo isso desde uma posição de privilégio branco, de quem não foi discriminada por ser brasileira na Malásia, por exemplo. Aliás, aqui acontece o contrário: existe uma certa curiosidade em relação a quem eu sou, essa criatura quase exótica pros padrões locais. Por outro lado, na Europa, fui tratada como prostituta quando assumi ser brasileira, escutei abuso e tive até que correr de uns caras numa estação de metrô em Paris.

Dito isso, eu acredito mesmo que a tentativa de pertencer tem origem nessa busca por não sofrer preconceito, ser discriminada por ser brasileira, de quem quer muito simplesmente levar a vida em paz. Mas, na minha opinião, ainda assim, esse gasto de energia não vale a pena, porque não traz imunidade ao preconceito. Tendo experimentado os dois mundos, digo que meu melhor movimento até hoje foi ter assumido quem sou, com as dores e as delícias, e seguido na adaptação às realidades, ora diferentes pra caramba, ora semelhantes.

Bom, me despeço dessa news indicando trabalhos muito legais, realizados por expatriadas, pra quem tem interesse em desmistificar a vida fora do Brasil. Eu adoro as matérias do Brasileiras do Mundo ( IG: @brasileirasdomundo ) e o apoio que elas oferecem pra quem tá precisando de um ombro amigo fora do país. Minha segunda dica é o podcast Eu não sou daqui(IG: @nsdaqui ) que entrevista brasileiros que vivem fora do Brasil, discutindo os altos e baixos da vida no exterior.

Por último, indico um TED Talk que por si só já rende outra newsletter: a escritora Jodi-Ann Burey escancara o privilégio branco no local de trabalho e denuncia as consequências cruéis do convite ‘seja você mesmo’ pra profissionais negros e outros grupos sub-representados, quando decidem ser ‘autênticos’ na sua maneira de se vestir e se portar. A Jodi faz uma colocação brilhante, lá pelo minuto 11: ‘‘It is much easier to be who you are, when who you are is all around you.“ (‘É muito mais fácil ser quem você é quando quem você é está ao seu redor’).

Por hoje é isso! E se você quiser compartilhar uma história de não-pertencimento, responde esse email. Será um prazer trocar ideia. Até a próxima!

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