roupa, trabalho, identidade

É com muito prazer que digo: agora temos newsletter! <3 (chique demais isso, gente!) Há muito tempo que desejava colocar minhas ideias em mais caracteres do que os espaços alheios me permitiam. Organizar essa newsletter e vê-la cair no mundo é motivo de alegria pura pra mim; significa que consegui, apesar de tanto corre-corre, parar, refletir e produzir um texto pra bater papo com quem curte conversar comigo, mas não vive tão perto ou no mesmo fuso. É delícia pra mim estar com pessoas, trocar ideia, ouvir opiniões. Que essa newsletter permita tudo isso e muito mais amém! 🙂

Bom, como primeiro tema, apesar de ser janeiro e muitas de vocês estarem curtindo/saindo das férias, não conseguirei fugir do trio roupa-trabalho-identidade. Esse é um assunto que dá bastante pano pra manga em consultoria, e agora virou um livro maravilhoso , o “Mulher, Roupa, Trabalho”, de autoria de Mayra Cotta e Thais Farage (https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=88395). As duas são cirúrgicas pra explicar a origem dessa sensação de inadequação que assombra os nossos dias e nos coloca com mil dúvidas na hora de escolher o que vestir pra ir pro trabalho. “Será que tá curta demais? Será que não é muito decotado? Será que não tô muito ‘senhora’? Como parecer mais velha? Como parecer moderna?”

Os questionamentos e necessidades são variados, mas posso dizer que são gerados a partir de duas linhas principais de receio: o de ser vista como uma mulher-objeto-sexual (e chancelar o assédio que poderá rolar) ou o de não ser vista como competente (e não conseguir ser promovida a melhores cargos). Enquanto isso, o cara branco cis hétero acorda a cada manhã e a única dúvida é: que camisa tá limpa?

Não dá pra negar que com tantas questões na nossa cabeça a gente não acabe super confusas na hora de adquirir peças que nos acompanharão no trabalho. E digo mais: no meio dessa confusão, acaba havendo pouco espaço pra que a gente se sinta à vontade em se apresentar com mais autenticidade naquele ambiente, usando roupas com as quais a gente se identifique de verdade. Há inclusive quem crie uma personagem pra passar por tudo isso e estabeleça um armário que atenda exclusivamente a necessidade do trabalho.

Uma das muitas perguntas que faço pras minhas clientes de consultoria é “qual é o teu dilema com o vestir?” As respostas variam bastante, como vocês podem imaginar, mas uma me chamou a atenção noutro dia: uma cliente perdeu o traquejo pra se vestir depois de deixar seu emprego formal e embalar na maternidade. Agora, o armário que funcionava a todo vapor descansa em paz num espaço da casa pra, quem sabe um dia, voltar a ser usado. Nesse intervalo, é claro que ela não ficou sem se vestir, mas a maior parte das roupas compradas no período pós-deixar-o-trabalho, conforme me confessou, pouco diziam algo sobre ela mesma, apenas cumpriram a “função” de vestir.

Eu mesma tenho uma experiência curiosa de “perda de identidade” do armário por conta de uma experiência profissional. Ao começar no Ministério de Relações Exteriores, senti a necessidade (que foi expressa por uma chefe) de incorporar alfaiataria no meu armário. A minha coleção de calças jeans passou a ser coadjuvante, o único par de tênis passou a ser o que me fazia companhia na academia. As cores alegres foram perdendo espaço para as neutras. Meu armário foi, cada vez mais, refletindo as muitas horas passadas naquele mundo tão formal.

Só fui me dar conta da roubada em que eu tinha me metido quando, 8 anos depois, estudando desenho de moda, vi que minhas roupas falavam muito pouco sobre mim e eram muito mais um reflexo daquilo que era “apropriado” pro meu ambiente formal de trabalho. Frequentando a escola, senti uma vontade louca de me vestir de mim, me reconectar comigo, dizer pros colegas quem eu era com o meu vestir. Nessa busca por me apresentar com mais autenticidade, descobri que era possível encontrar a minha própria maneira de expressar formalidade, que ela não tinha que ser um copia-e-cola do que os outros faziam.

Por fim, quero dizer que estamos longe de resolver a desigualdade de gênero no trabalho (e isso é uma discussão pra muitas outras newsletters), mas que devemos sim usar a roupa como nossa armadura, pra que a gente se sinta segura na hora de entrar nessa arena de lobos. A gente vai jogar conforme as regras de vestuário? Sim, vamos, afinal a gente tem boleto pra pagar. Mas que tal vestir aquilo que nos proporcione confiança para estar ali e que diga mais sobre quem somos, não tanto sobre quem querem que a gente seja? Pode ser um acessório maior, um blazer estampado, uma calça com modelagem diferente, uma meia colorida. “Pedacinhos” de informação que afirmem nossa identidade, sabe? Dominando esse quebra-cabeça de significados contidos nas peças, vai ficando cada vez mais tranquilo pra encontrar essa medida e ser mais feliz. Bora começar uma revolução?

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